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No episódio de nº 54 do Mônica Ventura lê Carta Mãe de Renata Felinto.


Mônica fala sobre o seu primeiro mês de gestação e a importância do termo maternagem. Lê o texto CARTA [MÃE] de Renata Felinto sobre a experiência de ser mulher mãe no brasil. A carta é o texto curatorial da exposição individual da artista  Bárbara Milano - MATERNAGEM - Que está em cartaz até dia 27 de Fevereiro na Oficina Cultural Alfredo Volpi.
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Mônica Ventura nasceu em 1985 em São Paulo, onde vive e trabalha.
Artista visual e designer com Bacharel em Desenho Industrial pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) - São Paulo, Ventura atualmente pesquisa filosofias e processos construtivos de arquitetura e artesanato pré coloniais (Continente Africano - Povos Ameríndios - Filosofia Védica). Suas obras falam sobre o feminino e racialidade em narrativas que buscam compreender a complexidade psicossocial da mulher afrodescendente inserida em diferentes contextos. Mulher negra, entoa sua memória corporal friccionando-a em sua ancestralidade a partir de histórias de sua vida e pesquisas. Em suas obras há um interesse especial pela cosmologia e cosmogonia afro - ameríndia para além do uso dos seus objetos, símbolos e rituais.

Entre as exposições nacionais e internacionais das quais participou estão a individual "O Sorriso de Acotirene", no Centro Cultural São Paulo (2018), e as coletivas "Estratégias do Feminino" no Farol Santander (Porto Alegre, 2019), "Histórias Feministas" no Masp (São Paulo, 2019) e "Repartimiento - Luto Tropical" na Galeria Pasto (Buenos Aires, 2019)

Em 2018 foi residente na Ocupação Coletivo Namíbìa, no Espaço VOID em São Paulo e em 2016 na Residência Artística Jardim Suspenso no Rio de Janeiro.

Texto Lido:

CARTA  [ MÃE ]

 

A mulher que engravida e que não pariu é mãe.

A mulher que perdeu sua(s) cria(s) na gestação é mãe.

A mulher que rejeita a(s) sua(s) cria(s) é mãe.

A mulher que abdica de si e de seus sonhos para estar com sua(s) cria(s) é mãe.

A mulher que muito trabalha e pouco vê a(s) cria(a) é mãe.

A mulher que agride a(s) sua(s) cria(s) é mãe.

A mulher que ama a(s) cria(s) acima de tudo e de todas as pessoas é mãe.

A mulher que chora a(s) sua(s) cria(s) ainda é mãe.

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E, sim, primeiro ela é uma mulher.

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Uma vez uma mulher mãe, sempre uma mulher mãe, seja para aquelas cuja(s) cria(s)

[ não chegaram a nascer ] 

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Não é toda a mulher que quer ou que pode ser mãe, no entanto, uma vez mãe, para o

bem ou não, essa condição radical e devastadora transforma a todas as mulheres que

passaram por essa experiência de renascimento. Nela, a sociedade espera que feneça  a mulher que somos para que, sacramente, encarnemos apenas a mãe.

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Que inexista a possibilidade de desejos carnais e de realizações materiais, tão

próprias das sociedades ocidentalizadas capitalistas, como sonhos a serem alcançados.

Há as que almejam esse lugar. Há as que possuem outras perspectivas que envolvem

suas vidas de mulheres e mães. Essa conformação é uma deformação na medida em que não contempla a todas nós em absoluto, no entanto, nos é imposta sem negociação. Essa mulher mãe realizadora, transformadora, criadora que pretende estar no mundo compartilhando e contribuindo com a sua potência que transborda os limites da maternidade, é vista com maus olhos no hoje...

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Na nossa sociedade cristianizada vislumbram que ser mulher mãe é conformar-se à forma da maternidade rosa e azul bebê. 

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Esse olhar de soslaio para as mulheres mães que ainda querem sorrir e viver para além

da sua condição de mães, é reiterado pela população brasileira a cada vez que uma

mulher mãe é vítima das muitas violências que atravessam a experiência da maternidade. Se não fossem suficientes as violências naturalizadas que já são praticadas contra as mulheres cisgêneras e transgêneras, somadas a elas e em outra vertente estão as inúmeras violências contra as mulheres mães, de todas as categorias de mães que mencionamos no texto.

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Ser mulher mãe é estar em constante estado de júdice por qualquer motivo, inclusive,

por aqueles que dizem respeito ao direito de continuar a ser mulher e a ter projetos.

Quando mulheres mães são assassinadas porque expressam que além de mães

querem viver suas vidas, constatamos a hipocrisias das mesmas pessoas que lutam

pelo direito à vida quando se trata do direito ao corpo da mulher que não deseja ser

mãe.

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Por que essas mesmas pessoas não se posicionam ante aos feminicídios que

patologicamente se tornam crônicos no Brasil?

Por que não temos lutado e lamentado com e pelas mulheres mães que perdem suas

mulheres filhas, pelas mulheres irmãs que perdem suas mulheres irmãs, pelas

mulheres filhas que perdem suas mulheres mães? 

Por que nossa luta e nosso pranto tem sido atravessados por uma moralidade seletiva que quando é conveniente aciona o cristianismo e brada pelo direito à vida do feto no ventre da mulher que virá a ser mãe?

Por que temos permitido que a mulher mãe que é metonímia da mãe terra seja violada tão brutalmente?

Porque o processo colonial e sua selvageria que nos esganou como uma forma suprema de civilidade, embruteceu as nossas almas e profanou cosmovisões dissonantes. Se a terra já foi invadida e violada mesmo nos provendo, terra consagrada e mitificada em muitas culturas não ocidentais, por que a mulher mãe que também supre a humanidade não seria?

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No nosso adoecimento coletivo sobre o útero terra acrescentamos cimento, asfalto, muitos tipos de calçamento e se esquecendo de que debaixo de nossos pés, nos pisos de pedras lapidadas e extraídas das entranhas da terra há geração de vida. No nosso adoecimento coletivo sobre as mulheres mães acrescentamos tantas interdições, privações, sobrecargas e responsabilizações que também nos olvidamos que ali há uma vida a ser vivida e que essa vida por si, sendo essa mulher mãe ou não querendo ou podendo ser, também água com a sua existência outras vidas de entes que lhes são afeto.

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Precisamos voltar a ser pessoas viventes numa sociedade de pés descalços, que possibilite a intimidade com a terra, com o sentir, com outras formas de pulsar. Pulsar que se relaciona aos úteros palpitantes geradores de vida, de criações, de esperanças. Andar sem calçados na área externa da Oficina Cultural Alfredo Volpi. Andar [ sem medo ] pelas ruas das cidades. Andar lado a lado com outras mulheres, mulheres mães que sentem diferente umas das outras e que compartilham, estranhamente, o mesmo tipo de medo sobre ser mulher. E isso não deveria ser naturalizado.

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"Maternagem" de Bárbara Milano é uma exposição que poderia ser apresentada em qualquer localidade do Brasil. Fruir a mostra e a poética problematizadora e regeneradora apresentada em suas obras é fecundar na mente outras formas de lidarmos com as dores da maternidade, do acolhimento, da frustração, do luto, da luta, do reviver. Que essa fecundação gere outros modos sensíveis e justos de  tratarmos dos crimes contra as mulheres, contra as mulheres mães, todas filhas da terra que é também parideira e que nos acolhe depois, depois que somos apenas matéria, mãe terra nos cobre e nos recebe de volta.

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E no coração da mulher que te pariu? Você já descobriu o que se passa naquele

coração de mulher mãe que te pariu?

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Nossos sinceros votos de que essa leitura seja consentida pelo seu ser.

 

 

Renata Felinto.


Para conhecer mais do trabalho da artista: https://www.monicaventura.art/

Para conhecer a exposição: https://www.barbaramilano.art/maternagem

Instagram: 

@podcastversar 

@mo_ventura

@fenix_negra_purpurinada 

@estudioimaterial

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Escute em: www.podcastversar.com (link na Bio)
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É preciso ouvir as mulheres!

Produção e Curadoria: @priscilacostaoliveira
Apresentação: Priscila Costa Oliveira e Maria Flor
Música: @vineschmitt
Foto: Carlos Sales

 

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